domingo, 24 de abril de 2011

A Lombardia

Tempo cinzento por Turim e previsões de sol pelos lados de Milão fizeram-me adiar demais visitas ao Piemonte e seguir caminho rumo ao feudo dos "Lungobardos" (os de barba longa, chamavam-lhe os latinos), tribo germânica que invadiu a Itália bizantina e deu nome a uma das mais desenvolvidas regiões italianas de hoje.

A Lombardia, para além da conhecida metrópole milanesa, cidade mais cosmopolita de Itália, fervilha de cidades históricas, e, neste dia que nasceu cinzento mas evoluiu esplendoroso, fui visitar algumas das mais emblemáticas, numa maratona turística que as minhas cansadas pernas agora acusam.

Fonte renascentista
em Bréscia
Para evitar a confusão de Milão (se é uma metrópole italiana, é forçosamente confusa...) reservei quarto num pacato hotel perto da cidade de Pavia, a 35 quilómetros da capital da Lombardia, numa localidade famosa pelo seu mosteiro cartuxo, Certosia di Pavia. Desse pacato e campesino posto avançado, fui explorar as cidades de Bréscia, segunda maior cidade da Lombardia, Cremona, terra do compositor Monteverdi e do mais célebre construtor de violinos, Stradivarius, e Pavia, em tempos cidade-capital da região.



1. Bréscia 

Um querubim pleno
de boa disposição!
Bréscia é uma grande cidade onde os diversos estratos de uma História milenar se acotovelam confusamente naquela mescla heterogénea que tanto caracteriza as cidades históricas italianas. Hoje com cerca de 190.000 habitantes, a cidade exibe uma riquíssima herança artística que vai das ruínas romanas na Piazza del Foro (especial destaque para o que resta do Templo Capitolino), passando pelo património medieval e renascentista testemunhado na Piazza Paolo VI pelo monumental Duomo (Catedral), com trabalhos datados do século XI ao XVII, bem como pela loggia da época da Renascença, que hoje acolhe os mais agradáveis locais de descanso da cidade na Piazza della Loggia, e terminando na praça anexa com prédios em imponente estilo fascista dos anos 30 do século passado. Em suma, Bréscia é um belo testemunho ao que é a Itália: em cada passo avançamos ou recuamos nos séculos...


O magnífico Duomo de Bréscia

Quinze séculos antes: o Tempo Capitolino
  
O pátio renascentista conexo à Catedral,
 parte do que é hoje o Palazzo dei Governo

A fachada oposta do Palazzo dei Governo

Elegante fonte junto ao Duomo que bem ilustra o
apego dos artistas da Renascença pela Antiguidade 
A Piazza della Loggia, com o Duomo em pano de
fundo, local de todos os encontros em Bréscia

A cúpula do Duomo vista da Piazza della Loggia

A elegante Igreja barroca de Santa Bárbara
 
Pormenor do frontão da mesma Igreja
Para terminar, um conhecido viajante junto ao Duomo...


2. Cremona

Cremona, a meio caminho entre Bréscia e Pavia, mereceu uma rápida visita, já que o seu mais rico património se situa numa única praça pública, a Piazza del Comune. Mas há que sublinhar, em duas palavras, "que património"! Não há adjectivos que façam justiça ao sentimento que invade o visitante de passagem ao dar de caras com a Catedral de Cremona. "Exuberante", diz o guia. Muito pouco, quase um insulto. Magnífica? Está no bom caminho. Eu diria "emocionante". Com um enorme frontão parcialmente construído em estilo românico, no centro uma rosácea do século XIII, uma profusão de pormenores que, todos eles, se traduzem numa elegância desarmante e, para completar o cenário, um altíssimo campanário, o Torrazzo, considerado a torre medieval mais alta da Itália. Tão só. É, por isso, um local do qual não apetece partir...



Uma das duas portas principais do Duomo, ambas à
guarda de temíveis leões venezianos

Estátua de Nossa Senhora e dos profetas no frontão

O cimo do Torrazzo, a "Torre Eiffel" da Idade Média!


O interior do Duomo de Cremona é outro espectáculo visual, envergando magníficos frescos do século XVI por todos os tectos, de causar torcicolos ao mais experiente turista.


O ambiente mágico no interior do Duomo

Frescos renascentistas

E magníficas pinturas barrocas




Ao lado da Catedral o sóbrio mas imponente baptistério octogonal do século XII e, em frente, as arcadas do final do século XIII, hoje antro de restaurantes, em tempos a loggia dei militi, uma espécie de senado público, local onde os senhores da cidade se reuniam. No palazzo dei Comune, anexo, está hoje em dia sediado o Museo Stradivario, fazendo jus a um dos mais insignes filhos de Cremona (estátua de homenagem na foto ao lado).



O Palazzo dei Comune, em primeiro plano,
com o omnipresente Torrazzo ao fundo

3. Pavia

Chegou a ser capital da Lombardia. Hoje é uma média cidade, com 80.000 habitantes, e parece ela toda um único canteiro tal a profusão de obras em curso. A começar pela gigantesca Catedral, iniciada em 1488, e na qual trabalhou um sujeito chamado Leonardi da Vinci. Em nenhum outro local de Itália senti a "opressão" de um "monstro" (não no sentido pejorativo) arquitectónico como o Duomo di Pavia, que subjuga todos os edíficos circundantes, e a própria cidade que simplesmente jaz a seus pés. Com cinco séculos de História, a Catedral continua em obras (a cúpula data de finais do século XIX, e as ábsides do século XX) e, pelo claro e arrogante desafio ao tempo e à gravidade que representa, assim continuará certamente pelos séculos vindouros!

O colossal Duomo de Pavia

E a sua cúpula de finais do século XIX, em perfeito
contraste com o resto do edifício

O segundo ex-libris de Pavia é a sua ponte coberta, no local onde existiu uma arcaica ponte romana, depois medieval, e enfim renascentista até à Segunda Grande Guerra tratar de mais uma "renovação". É hoje, digamos, "semi"- renascentista, mas um muito agradável lugar de passeio.



Vista sobre Pavia e o seu imponente Duomo

Um último monumento revelou-se fascinante: a Basílica de San Michele, que descobri bem por acaso quando deixava a cidade. Fundada no século VII e reconstruída no século XII, exibe no seu interior capitéis e frescos medievais que a tornam num autêntico museu, mas ainda nas funções que há treze séculos lhe foram apontadas! memorável a missa cantada de Páscoa a que assisti, sem conseguir tirar os olhos dos magníficos capitéis românicos...






Pavia deve ser, por fim, a capital dos torres medievais, pela profusão das mesmas (ao acaso contei seis). Com propósito inicial de vigia, tornaram-se ao longo da Idade Média símbolos de estatuto, de tal modo que cada casa senhorial dispunha de uma maior que o vizinho e cidades como Pavia pareciam sememadas destes primitivos arranha-céus!



4. Certosa di Pavia

A oito quilómetros de Pavia localiza-se o famoso mosteiro cartuxo (ainda em utilização) de Certosa di Pavia. Considerado a obra-prima da arquitectura renascentista da Lombardia, a visão da sua fachada principal é de cortar a respiração, tal a profusão de decoração, estatuária e relevos, do século XV (parte inferior) e inícios de XVI. Assim se percebe que este mosteiro tenha demorado mais de 200 anos a ser concluído. Foi planeado como monumento tributo a Gian Galeazzo Visconti, governador de Milão que fundou o complexo em 1396, e implicou o recurso a técnicas inovadoras para conceber os relevos e a decoração policromada (diz o guia...).






Por sorte, fui um dos últimos a ter acesso ao mosteiro, já depois do horário de fecho (17h30? Um tanto cedo para um lugar tão turístico, não?). No seu interior ainda consegui uma foto dos tectos pintados, tendo sofrido severa reprimenda - de que um dia me recomporei - por ser acto proibido, sem que se perceba porquê já que foi o único local de toda a Lombardia onde tal sucedeu. Para mais, o interior é soberbo, um verdadeiro testemunho ao país-berço da Renascença. Os claustros - grande e pequeno - são antros da paz e meditação que caracteriza esta ordem dos cartuxos, ainda hoje em completo isolamento do mundo exterior.

Um comentário:

  1. Muito lindos os monumentos, as catedrais e por último o mosteiro das cidades da Itália. O detalhe das paredes da catedral de Milão. Sem dúvida, as catedrais da Europa são belíssimas.
    Gostei muito de ver e conhecer os detalhes e as histórias de cada visita.
    Sinceramente
    Regina Guimarães

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