sábado, 3 de abril de 2010

Éfeso, a Magnífica



Foi sem sombra de dúvidas o momento maior da nossa viagem à Anatolia.

Éfeso figura, com o forum de Roma e a Acrópole de Atenas, entre os mais fascinantes e arrebatadores testemunhos de uma era passada de glória e arte, mas também de contínuas guerras de extensão e extinção de civilizações, a que hoje chamamos "Antiguidade".


Mapa daquilo que foi o centro administrativo de Éfeso

No primeiro século da era de Cristo, durante o apogeu de Roma, a sua capital da província da Ásia Menor, Ephesus, acolhia uma população estimada entre 200.000 a 250.000 almas. As dimensões da urbe prostrada junto ao mar Egeu, hoje difíceis de imaginar mesmo visitando o local, podem ser sumariamente avaliadas tendo em conta a capacidade do seu magnífico anfiteatro, pois tal como hoje não abundavam recursos, e não se contruiam infra-estruturas que não fossem aquelas adequadas à população das localidades. O anfiteatro de Éfeso, belíssimamente conservado comporta ainda hoje   maravilhados espectadores, e era local de representações teatrais, mas também realização de assembleias populares.

- ANFITEATRO -


A estrutura do palco, em tempos coberto

Vista da entrada da cidade. O imponente anfiteatro
impunha-se ao visitante logo à sua chegada a Éfeso



- BIBLIOTECA DE CELSO -

É impossível gostar-se de História e não ficar transtornado com a absoluta perfeição clássica do frontispício da Biblioteca de Celso. Sendo um dos monumentos antigos mais divulgados internacionalmente, que nos habituámos a ver com regularidade na televisão ou em fotografias, este símbolo de Éfeso e referência arqueológica por excelência da turística Turquia recebe diariamente centenas de visitantes que se maravilham inevitavelmente com o seu estado de conservação, único no mundo. Não me lembro de ver no forum de Roma nada que se possa comparar (à excepção do Coliseu, naturalmente, mas pelas dimensões e não pela conservação).




Detalhes do frontispício, com a águia de Roma em primeiro plano

Estátua do conhecimento (sofia) que orna o frontispício da Biblioteca de Celso,
cujo nome se encontra gravado na segunda linha das legendas abaixo da estátua


Detalhes do trabalho de escultura da Biblioteca

Porta Monumental de Mazeus e Mithridates (século I a.c.), escravos libertos
por Augusto, junto à Biblioteca de Celso

No frontão da Porta Monumental que ladeia a Biblioteca de Celso,
homenagem ao primeiro Imperator Augusto e à sua mulher Lívia 

Agora comercial junto à Biblioteca de Celso, de 112 por 112m, pela qual se repartiam lojas de dois andares e diversos monumentos comemorativos e estátuas de tributo. Dava-lhe acesso a Porta de Mazeus e Mithridates

A Agora comercial vista da Rua de Mármore


- RUA DE MÁRMORE -

Deve o seu nome ao nobre piso, e constituía um eixo central da cidade, ligando o anfiteatro à àrea da Biblioteca de Celso e início do Rua dos "Curetes", de que já se falará adiante.



 - RUA DO PORTO -

Éfeso encontrava-se junto ao mar Egeu aquando da sua fundação, pelo menos um milénio antes de Cristo.  No tempo do império romano tardio (século IV d.c.), já eram necessários acessos artificiais ao mar, mas este mantinha-se como o caminho mais "nobre" para chegar ao porto, tomando início frente ao anfiteatro. Por ter sido, nessa altura, reparado pelo imperador Arcádio, porta também o nome de "via arcadiana". Hoje, as ruínas ficam a vários quilómetros do mar. Os ditos da geografia que contribuíram em parte para a queda de uma das mais importantes cidades do mundo antigo...



- RUA DOS CURETES -

Descendo da parte alta da cidade até à Agora onde se situa a Biblioteca de Celso, era a principal artéria de Éfeso, devendo o seu nome aos sacerdotes curetes que, todas as primaveras, encenavam em cerimónia pública e dramática o nascimento da deusa Artemisa, iniciando as celebrações através desta movimentada via do centro da cidade, e percorrendo sete quilómetros até ao local onde se acreditava ter nascido a deusa que celebrizou a cidade por todo o mundo antigo. Com esta dimensão sagrada, não admira assim que pela rua dos Curetes venhamos a encontrar vários dos mais importantes monumentos de Éfeso, bem como as melhores residências privadas.

Mas é também nesta mesma via que vamos encontrar locais mais "mundanos" como as latrinas públicas e o bordel. A rua dos Curetes era coberta, abrigando os transeuntes, e ladeada de inúmeras lojas.

Uma rua no melhor espírito romano, sagrado e profano em alegre convivio...
                                                                                                                                 

Templo de Adriano, rua dos Curetes. Hoje o mais belo edifício da rua, construído e dedicado em 138dc ao imperador oriundo da Hispânia, que visitou por duas vezes a cidade. Era originalmente chamado "Olympeion" 



Detalhes dos dois frontões do Templo de Adriano

No friso interior do Templo de Adriano figura aquela
que parece ser a mítica e temida Medusa 
Vista do cimo da rua dos Curetes


Fonte de Trajano, ou o pouco que dela resta. Era um edifício imponente, completado em 114 d.c., com duas piscinas internas e entre elas uma estátua do imperador que homenageava. Várias outras estátuas, de Dionísio, Afrodite e Sátiro, mas também de familiares de Trajano, decoravam o monumento, e estão em parte recolhidas no museu de Selçuk, junto a Éfeso

Estátua de um efesiano ilustre, a única das muitas que ladeavam 
a rua dos Curetes, e das quais hoje só restam os pedestais ao longo da via 


Junto ao Templo de Adriano encontramos os banhos públicos, incluindo as latrinas, bem como um pouco atrás, convenientemente resguardado, o bordel da cidade. Os banhos públicos foram restaurados no século IV d.c., após sucessivos terramotos que afectaram Éfeso, com o apoio de uma rica cidadã, Escolastícia, cuja generosidade foi homenageada com uma estátua à entrada do edifício dos banhos.
Estátua de Escolastícia

Lado a lado, a entrada para o bordel...

... e o local onde se ia quando já não dava para esperar: as latrinas.
Aqui compreendemos que a noção de privacidade é coisa do nosso tempo...


- PÓRTICO DE HÉRCULES -

A rua dos Curetes terminava, na sua parte ascendente, junto à praça onde se encontrava o Templo de Domiciano, a que se tinha acesso passando o "Pórtico de Hércules".  

Hércules e a sua pele de leão

O que hoje resta do Pórtico de Hércules

Friso representando Nike em voo carregando uma grinalda na mão esquerda e um ramo de tâmaras na outra. Acredita-se que constituiria parte do Pórtico de Hércules

Uma das duas estelas representando Hermes,
que ladeiam o Pórtico de Hércules

Do templo de Domiciano partia uma rua que dava acesso ao "Templo da Água" e, mais acima, ao reservatório de água da cidade. Não constando das maiores atracções indicadas aos turistas, mas repleta de estelas gravadas e colunas e frisos trabalhados espalhados pelo chão de mármore, é um excelente espaço para uma pausa contemplativa e alheia ao "rebuliço turístico".




- O BOULETERION -
Tem um nome que nos soa bem estranho hoje esta réplica em versão bem diminuta do anfiteatro da cidade. Tratava-se de uma estrutura que servia para pequenos espectáculos, mas sobretudo para reuniões de cariz político, onde podemos imaginar se debatiam opiniões e tomavam decisões sobre a administração de Éfeso.




Uma das portas de entrada no Bouleterion


Além dos seus aspectos mais monumentais, o transcendental em Éfeso (em comparação com outras ruínas da Antiguidade) está no detalhe, no pormenor, nas incontáveis estelas e lápides gravadas nos alfabetos gregos e romanos em simultâneo consagrando a grandeza e coesão do império, nos milhares de colunas, espalhadas por todo lado pelo chão, de estilos que atravessam cinco séculos de domínio e influência romanos.









Junto da Boblioteca de Celso, uma curiosa laje gravada em alfabeto grego, e noutra linguagem, na face direita, que nenhum arqueólogo conseguiu decifrar. Lógica explicação de um guia bem ao nosso lado: pode tratar-se de alguém que quis gravar algo para a posteridade, mas simplesmente não sabia ler nem escrever e tentou imitar os caracteres já presentes na pedra! 

Passámos mais de três horas pelas ruínas, embora o espaço visitável não seja senão uma ínfima parte do que era Éfeso, e a maioria da cidade esteja ainda por explorar. Mas foram muitos minutos de contemplação e fascínio, e alguns bons quilómetros caminhando sobre mármore, explorando as vias menos procuradas pelos turistas para procurar um contacto mais "íntimo" com a envolvente, tendo sempre em mente que o que transcende em Éfeso não é o que se vê, mas o que se imagina...



Uma pausa de descanso na rua que vai (ia) dar ao
reservatório de água de Éfeso. Mesma rua na foto acima



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O museu de Selçuk, moderna cidade junto às ruinas de Éfeso, recolhe alguns dos artefactos antigos descobertos no sítio arqueológico. Revela-se interessante mas pequeno face às dimensões da urbe greco-romana, dexiando adivinhar que a maior parte do espólio antigo estará em museus turcos de maior dimensão (Istambul, Izmir ou Ankara), e em museus ou mesmo colecção privadas internacionais.

À esquerda, a peça mais consagrada do museu de Selcuk, a deusa Artemisa, que se acreditava ter nascido em Éfeso, fazendo da cidade um dos maiores locais de peregrinação da Antiguidade.


Reconstituição do pátio interno de uma "villa" romana de Éfeso

Belíssimo busto do imperador Marco Aurélio

Frescos originais que ornavam o Templo de Adriano.
No centro, Hércules com a sua pele de leão.

A peça que mais nos impressionou em todo o museu: elementos de uma estátua colossal do imperador Domiciano. Conseguem imaginar o tamanho da obra de arte, se apenas o antebraço e a mão são do tamanho da Leelia?
Estela representando um gladiador


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